Texto 44

Texto 44

Quadragésima quarta postagem: The doors - The doors.

Gosto de números fechados. Provavelmente um defeito de matemático. E esse álbum completando 50 anos é uma tentação. Claro que ele não entra aqui apenas por isso. Esse é considerado um dos 50 melhores álbuns da história. Embora eu não concorde com posições (visto que temos ótimos álbuns aqui no Brasil mas que jamais entrarão nessas listas por questões linguísticas que desaguam em questões financeiras, pois ninguém compra um álbum que não entende), entendo que passar por 52 álbuns e não ter The Doors seria um crime. Aliás, começando pelas curiosidades. Há um filme que conta história do Jim Morrison, com o Val Kilmer o interpretando. Fica a recomendação. Sobre o nome da banda, outra curiosidade: Baseado no livro "As portas da percepção", do Aldous Huxley, o nome surge a partir de uma frase: "Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria como é, infinito". A frase está no contexto de um livro onde o autor fala sobre suas experiências com drogas... irônico. Bem, tirando essa aula de História, vamos ao álbum. Boa viagem (esteja limpo ou não).

01. Break on through (to the other side).

Nada melhor do que iniciar um álbum com uma viagem. Ir para o outro lado fica bem metafórico aqui. Viajar para o outro lado pode ser interpretado como a viagem que se faz ao utilizar alguma droga (do álcool à cocaína) ou, simplesmente atravessar uma ponte. Quando Jim Morrison escreveu a letra, ele estava em Venice (Califórnia) e acha que tinha uma mulher que estava do outro lado de uma ponte e isso entrou na letra. Então, pode significar muita coisa ou nada. De qualquer forma, essa música passou por várias edições só por causa do verso "she gets high", que significa "ela fica 'alta'", referindo-se ao uso de alguma droga. Tem Brasil na faixa. O ritmo é de bossa nova sim, influência brasileira sobre o John Densmore. Outro detalhe: não temos baixista. O som que está na faixa é do teclado tocado no tom do baixo. Sobre a letra... "Tentei correr, tentei me esconder" mas na verdade, quero que você saiba que "encontrei uma ilha nos seu braços". Atravesse para o outro lado então. Novamente.

02. Soul kitchen.

Não vamos complicar. Música simples que fala sobre... um restaurante. Lembram de Veneza, citada na faixa anterior? O restaurante Olivia ficava nesse local e o Jim Morrison adorava comer nele. Falava que a comida o lembrava de casa. Por isso o "soul kitchen". Ele ficava lá até a hora do restaurante fechar, precisando ser "convidado" a se retirar diversas vezes. Então, nada de significados ocultos na letra. Embora o relógio nos diga que é hora de ir embora, ainda bate aquela vontade de querer ficar aqui a noite toda.

03. Crystal ship.

Mais uma cheia de teorias. Jim Morrison era um leitor (sim, assíduo como você) e foi a leitura do livro "Book of the Dun Cow", que é sobre mitologia Celta. Neste livro, o herói Connla é ferido e enviado a um paraído além do mar. Para essa viagem, ele utiliza um navio mágico (Crystal ship ficou fácil) do deus marinho Manannan. Ele usou esse mito para escrever esse poema para sua namorada enquanto ele estava sob uso de drogas (aliás, drogas e viagem aparecerão em todas as faixas). Destaco a letra toda. Querer beijar você uma última vez antes de perder a consciência e lembrar que os dias são brilhantes mas cheios de dor (representando a falta que faz) mostra como a letra é boa. Nos encontraremos de novo e quando isso acontecer, "I´ll drop a line".

04. Twentieth century fox.

A intenção era clara: Retratar uma mulher fútil (poderia ser um homem? Não, pois na letra há a palavra 'fox' que é uma mulher bonita). Então temos uma brincadeira com palavras muito interessante. Embora pareça o nome do estúdio de filmes, pode ser apenas uma linda garota do século 21. Ao ouvir a música, fica clara a intenção de ser uma mulher. Mulher moderna, que é elegante e nunca hesita ou perde tempo. Decidida mesmo sabendo dos riscos. Ela é forte, como entendo que todas as mulheres são. Embora algumas mais fortes. Claro que há uma brincadeira com o estúdio aqui... Ele deixa na letra que embora ela seja a Century fox, ela apenas observa o mundo dentro de sua caixinha de plástico. Ou seja, você pode achar que é forte mas é apenas mais um. Curiosa provocação.

05. Alabama song (whisky bar).

Temos uma regravação aqui. Embora a música lembre as características do Jim Morrison, a faixa é de 1927 e está na ópera alemã "Hauspostille". Muitas pessoas não sabiam do problema com álcool que o vocalista tinha e essa dica estava lá desde o primeiro álbum. A faixa é sobre o desaparecimento de uma moça (provavelmente uma prostituta, se recuperarmos o teor da ópera) e a busca por ela. De bar em bar. Caso ela não seja encontrada, nós devemos morrer. Até lá. Continuamos procurando, e bebendo whisky. Sinceramente, acho uma faixa engraçada. O ritmo me lembra música circense.

06. Light my fire.

Talvez a música mais conhecida do The Doors. Faixa que fala sobre correr riscos sem se importar. "O momento de hesitar acabou" mas lembrando que as consequências serão desastrosas. "Tente agora e nós iremos perder. Nosso amor se tornará uma pira funerária". Apesar disso, ele pede para que ela "acenda o fogo" e que possam botar fogo na noite. Talvez por isso essa seja a faixa mais conhecida. É o fogo dos adolescentes que não medem consequências por ansiarem viver o amor. É a inconsequência da juventude. Aos que criticarem, talvez seus amores não sejam tão indomáveis assim. Se forem, sabem que é difícil de controlar. Bem que gostaria de interpretar a letra quando cita que "não poderíamos estar mais altos", como "não poderíamos estar mais apaixonados". Mas pelo contexto, não é o caso. Vamos para a próxima.

07. Back door man.

Mais um cover. Música original é de 1961 e está bem fácil de ser entendida... O homem da porta de trás é alguém que está tendo um caso com uma mulher casada. A porta de trás é usada pois quando o rapaz precisa fugir, usa essa saída. Tem uma brincadeira maldosa na faixa. Ele fala que enquanto o homem da casa come feijões e porcos, ele come "chicken" (galinhas ou garotas, dependendo da forma como queira interpretar). Que maldade. Vamos para a próxima (faixa).

08. I looked at you.

Agora temos uma faixa mais bonitinha. Eu te olhei, você me olhou, eu sorri, você sorriu... Deu pra entender o problema? Criou-se uma ligação e não adianta o tempo passar. É tarde demais. Ando ao seu lado e você ao meu. Não conseguimos mudar o rumo pois já é tarde demais. Entendo que a faixa já deixou tudo claro. Esse amor que aparece pode ser pela menina da primeira faixa, pode ser pela mulher da faixa anterior. O fato é que sentir um perto do outro, independente da circunstância, vale a pena e é gostoso. Pois o único problema foi... ter olhado pra você. E ainda há quem não acredite que os olhos são o espelho da alma. Se eles até brilham de vez em quando.

09. End of the night.

Comentei antes que Jim Morrison era um leitor. Baseado em um poema chamado "Auguris of innocence" de Willian Blake, ele escreveu: "Reinos de prazer, reinos de luz, alguns nascem para o suave deleite, alguns nascem para a noite sem fim". A ideia da música não é complicada. Jim Morrison era um cara cheio de problemas. A busca pelas drogas e álcool era para amenizar seus outros problemas. O que ele buscava era um lugar onde ninguém mais tivesse ido (as drogas o levariam lá) e esse lugar seria calmo, tranquilo e ele não precisaria se preocupar com mais nada.

10. Take It as It comes.

Faixa de aceitação/meditação. Começando com citação bíblica (time to live, time to die, time to laugh, time to die), a faixa recomenda que aproveite o seu amor calmamente. Não queira acelerar passos, não precisa correr. Seja paciente e entenda que a vida lhe dará o que precisa. Se acelerar, a vida pode tirar. Se for devagar, você irá aproveitar mais e mais. Então, não acelere se você quiser que seu amor dure. Conselho válido. Essa faixa nasce do contato do Jim Morrison com o Maharishi (aquele dos Beatles). Dentro desse álbum, a impressão é de que devemos refletir sobre tudo que foi dito até agora antes de entrarmos na última faixa. Bem, até agora temos drogas enquanto libertação, um amor que se foi e provavelmente se foi por ter sido vivido muito intensamente e rapidamente. Além disso, temos que o rapaz está ferido e que deve buscar a cura em um lugar místico. Vamos ver como essa história acaba.

11. The end.

Falar que The end é uma música sobre a morte parece bem óbvio. A questão é tentar descobrir qual. A música foi escrita sob a forma de uma ópera e apresenta o complexo de Édipo em sua parte falada, já no fim. Inicialmente essa música nasceu da necessidade que a banda tinha para fechar o tempo de suas apresentações em um clube chamado "Whisky a go go". O que explica os 11 minutos da música. Escrita para ser a última obra (o que é estranho por estarmos no primeiro álbum da banda), dizem que foi a última música ouvida por Jim Morrison. Também há relatos que a gravação foi feita em um estúdio escuro, onde apenas havia 1 vela próxima ao Jim Morrison. Em 50 anos, tudo isso pode ter sido verdade, tudo pode ser mentira. O que fica é a letra e ela trata de encerrar tudo. Toda uma vida. Nada de planos, nada de preocupações. Apenas alguém que cansou dessa vida. Ele quer ir embora no ônibus azul, fazer um rock triste e matar. Esse é o fim das noites em que tentamos morrer. Esse é o fim. Melhor faixa do álbum, musicalmente e liricamente falando. Deixa o manifesto do que foi The Doors e, especialmente, seu vocalista Jim Morrison.