Trigésima quarta postagem: O concreto já rachou - Plebe Rude.
Voltando ao ano de 1986. Precisamos contextualizar a época para entendermos o álbum. Embora o ano já indique o fim da ditadura, após o movimento "Diretas já", as heranças da ditadura não se apagam com a tinta da caneta sobre o papel. E é sobre isso que esse álbum trata. Desde a recorrente associação da polícia ao excesso de força (que hoje até cairia bem) até as pessoas que se vendem para alcançarem o sucesso, vamos para um álbum de pouco mais de 20 minutos, pois quem tem o que dizer, diz rapidamente e sem rodeios. Sendo assim, vamos ao álbum.
01. Até quando esperar?
Vamos entender o deboche da faixa. "Não é nossa culpa, nascemos já com a benção. Mas isso não é desculpa pela má distribuição." Discurso de classe alta que entende que sua riqueza não é causada pela miséria de tantos. Claro que o pensamento de igualdade lembra o socialismo e isso também não funciona. Basicamente a música lembra que apenas Deus é pelos pobres, pois os ricos nunca ligarão para eles. Afinal, "não é nossa culpa". Farei um parênteses novo aqui. Entendo que as classes sempre existirão. Muitos pensadores que pregam a igualdade ou criticam a má distribuição nunca fizeram coisa alguma para que os pobres melhorassem de vida. Não é uma esmola que faz diferença. É o pensamento de que todos podem ter direito a uma vida produtiva. Falando apenas de Brasil (não interessa imaginar outros países pois nosso povo é brasileiro), não adianta denúncias ou investigações sobre políticos corruptos se a cada eleição, estes mesmos são conduzidos de volta aos seus cargos (ou seus filhos, sobrinhos ou netos).
02. Proteção.
Aqui vamos relembrar o período de censura. Tanto já se falou sobre isso mas ao ouvir a faixa, parece surreal ainda. Não estamos falando apenas da censura nas letras de músicas e sim, censura cultural. Aqui, faço uma comparação com a música "polícia" dos Titãs. Ambas fazem crítica aos policiais. Olhando para nosso país na situação atual, é irônico. Claro que por motivos diferentes. Não era correto usar (abusar) da força contra estudantes que pediam por democracia. Mas também não é justo cobrar luvas de pelica quando os bandidos estão com fuzis em mãos. Interessante como a faixa apresenta força nacional para garantir a segurança e eu assisto ao jornal e vejo que a força nacional está nas ruas pois o número de homicídios aumenta. 30 anos não significa nada nesse país.
03. Johnny vai à guerra (outra vez).
Mais uma ligação aqui. Observem o clip de "One" do Metallica. Lá, observem que há um soldado que pede para morrer mas seu pedido nunca é atendido. Esse soldado é o Johnny. Ferido em batalha na primeira guerra mundial, perde sua mobilidade e vários de seus sentidos. Para termos uma ideia da situação, sua comunicação era através de código morse, batendo a cabeça contra a cabeceira da cama. Fez dois pedidos: 1. Ser colocado em uma redoma de vidro para andar pelo país mostrando o que é a guerra de verdade e; 2. Morrer. O título da música faz referência à propaganda de guerra onde o governo americano dizia que Johnny já tem sua arma, encorajando jovens a se alistarem.
04. Minha renda.
Essa é simples. Venda-se que tudo que você quiser, terá. Basicamente uma crítica à todos os artistas que se vendem pra vender lixo, sem se preocupar com a qualidade do que está sendo vendido. Essas bandas jamais entrarão aqui nesse espaço. Sugiro essa faixa.
05. Sexo e Karatê.
Eu colocaria novela e programa policial no lugar de sexo e karatê. Atualmente é o lixo que se vende na televisão. Entendo que algum leitor comente que nos canais fechados é diferente ou então que se a programação não presta, basta desligar a televisão e ir fazer outra coisa. Ok. Caso seu comentário beire algum dos dois pontos acima, lembre-se que estamos falando de uma parcela significativa da população que tem renda familiar de 800 reais para sustentar 7 pessoas por 30 dias (sim, eu já preenchi fichas cadastrais muito parecidas com essa que citei), então, se não for o ópio das massas (gosto desse nome para televisão), qual o plano B? Redes sociais? Triste fim.
06. Seu jogo.
Essa faixa foge do que é o álbum. Temos alguém que está com problemas, sentindo aquele vazio na alma (coisas de jovens) e ainda não sabe como lidar com isso. Nesse meio tempo, quem aparece na vida? As drogas, "o remédio que caiu do céu" e que vai curar a sua insegurança, dará novos amigos, coragem para enfrentar novos desafios... e tudo isso com um preço módico. Não morrerá mas ficará sem vida e o culpado, é você. Gosto da letra. Alerta com uma boa letra para a meninada (que obviamente não ouvirá, pois jovens são mais espertos que os mais velhos).
07. Brasília.
Última faixa. Álbum rápido dá nisso. Faixa muito boa com duas vozes. Enquanto a primeira enaltece Brasília, a segunda, mostra outros aspecto da cidade. Claro que a capital federal foi muito bem projetada e é muito bonita, arquitetonicamente falando (embora seja a especialidade de outra pessoa não é mesmo?), mas, é uma cidade brasileira. A utopia da criação rapidamente é desfeita quando começa a ocupação pelos brasileiros. Então vem a ótima frase da faixa, que nomeia o álbum, "o concreto já rachou". Ou seja, a utopia acabou. A cidade é composta por pessoas e a maquiagem não resiste. "Essas pessoas... elas não fazem nada. Nada!". Parece-me que ainda assim o é.