Texto 24

Texto 24

Dirt

Vigésima quarta postagem: Dirt - Alice in Chains.

Encerrando a viagem por Seattle, o texto (atrasado pela falta de energia) de hoje é o meu ponto fraco sobre o movimento grunge. Deixei o melhor para o final. Claro que reconheço as outras três bandas como importantes e que no fim das contas o que importa é produzir música de qualidade. Também é natural que cada um tenha sua banda favorita e este é o caso. Meu primeiro contato com o Alice in Chains nem foi com esse álbum, e sim, com o homônimo. Depois veio o acústico MTV (recomendado sem pestanejar) e o Dirt. É esse que vamos apresentar agora.

01. Them bones.

Não dá pra começar melhor. Them bones é sobre o fim de tudo. Alice in chains tem muitas letras consideradas depressivas (o acústico tem essa cara) e aqui não é diferente. Apesar da guitarra e de ser um rock de primeira, o sentimento de solidão e a certeza que independente do que façamos, seremos uma pilha de ossos no fim dá o tom do álbum.

02. Dam that river.

Vamos brigar. Faixa nervosa resultado de uma briga entre os dois vocalistas... gosto da brincadeira na faixa com o "dam" river e na sequência I don´t give a "damn". A faixa vai se enchendo de metáforas para demonstrar a raiva que um sente do outro nesse instante. Basicamente é o seguinte: você não pode me controlar então vai me agredir ou tentar me afastar de você. Acho que vou mandar isso pra uma galerinha...

03. Rain when I die.

Chegamos ao que gosto no Alice in Chains. Sempre olhei pra essa música como a vida e a morte sendo uma entidade só. No início da faixa, vejo coisas que personificam a morte como ela chamando pelo nome dele na hora de morrer, como a lista que algumas mitologias citam que a morte tem. Por outro lado, eu vejo a morte como sendo o que surge após a vida perder o significado. Essa parte é o que percebo quando ele fala que "como não ajudarei-a, ela me odeia". E então a vida torna-se a morte. E assim a chuva que aparece quando ele morre é a lamentação por outra vida perdida. O clima da música ajuda demais nessa hora.

04. Down in a hole.

Icônica faixa. Aqui interpreta-se da forma que achar melhor. Eu sigo na linha do álbum e o que vejo depois de uma faixa sobre a morte é uma faixa que antecede isso. Linda letra que fala sobre alguém que já está além da salvação. Uma pessoa que apresenta ao mundo apenas a casca pois o que está dentro dela já morreu. Parte poética da música é a tentativa de voar (se libertar) mas as asas foram negadas e isso leva a ficar preso nesse buraco chamado vida. Queria ter ido embora quando ela se foi. Isso é o que fica claro na faixa pois ele sente que só seria completo se não estivesse sozinho mas aquela pessoa que deveria estar aqui já não está mais.

05. Sickman.

Continuamos na mesma linha (aliás, façam uma comparação com os últimos três textos e isso é o grunge). A depressão está descrita bem aqui. Todos os pensamentos são em como sair desse mundo. "O fim está próximo", "moscas" e "qual a diferença se eu morrer?" são pensamentos que estão na cabeça dos desesperados e que não conseguem mais ver qual o sentido de seguir adiante (a casca novamente). Morrer nesse mundo doente é o que resta.

06. Rooster.

Faixa importante para o Jerry Cantrell (guitarrista e segundo(??) vocalista da banda). Música que fala sobre o pai dele e o que ele enfrentou na guerra do Vietnã. Essa música marca a reaproximação entre pai e filho depois de anos separados pelos traumas da guerra na mente do pai do Jerry. Rooster era o apelido do pai dele. Essa é uma faixa curiosa dentro do contexto do álbum. Temos faixas depressivas com alguém que não vê razão em seguir vivendo e ao mesmo tempo, uma faixa com alguém que esteve em uma guerra, vendo seus amigos morrerem e sem saber se voltaria para sua família e se esforçando para manter-se vivo. Esse cara dessa faixa deveria ser o exemplo a ser seguido para a pessoa das faixas anteriores. Quer provar que tem força? Siga vivendo.

07. Junkhead.

Essa é bem direta. Ponto de vista de um viciado em drogas sobre ser um viciado em drogas. Complicado pois o Staley morreu um viciado. Pontos que devem ser levados em consideração: frase "você quer me entender com seus livros, seus mestrados e doutorados? Se você experimentar isso (as drogas), ficará como eu". Entender viciados, depressivos ou outras pessoas com problemas baseados em leituras é um absurdo e aí eu concordo com a faixa integralmente. Sem entender o que leva alguém à esse mundo, pegue seus livros e "shove it".

08. Dirt.

Uma continuação da faixa anterior parecendo ser a mesma música ainda. Aqui é o lamento e a vergonhar por ser um viciado é o destaque. Ele comenta que a única forma de acabar com a vergonha é se matando. Em outro momento, ele quer se vingar da pessoa que o apresentou às drogas querendo que ela morra. Sinceramente, o cara que te oferece drogas é o menos culpado... um "não" resolve tudo. Claro que isso é fácil quando se tem uma estrutura familiar mínima. Alguém que não tenha nada a perder certamente não fala um "não" tão rapidamente. Aliás, foi isso que ele falou na faixa anterior. Nesse momento eu paro e me pergunto porque as bandas pararam de fazer música que signifique algo.

09. God smack.

Comecem ouvindo a faixa e sentindo o tom do vocalista... mostra o tom de voz de um viciado em fase terminal. Trêmula. O questionamento sobre "em nome do Deus, o que está fazendo?" mostra o desespero de quem sabe que está se matando aos poucos. Consciente de que deixa a família e amigos em breve. Será que essa busca pelas drogas foi para suportar o que perdeu? Veio essa dúvida agora.

10.

Coloquei dessa forma pois não tem letra, não tem título no CD... tem nada... Somente um som que parece o Ozzy com "I am iron man" mas é o Tom Araya do Slayer... Próxima...

11. Hate to feel.

Vamos resumir. Entender as causas, motivações ou seja lá o que for sobre alguém que usa drogas é difícil para quem teve uma experiência boa na infância ou tem ainda hoje. Aqui o Staley escreve o que aconteceu com ele. Abandonado pelo pai na infância (as drogas levaram o pai embora). Ele imaginava que seria diferente mas tornou-se igual ao pai. Isso causou a vergonha e a certeza de que ele havia fracassado na vida. Embora tivesse uma carreira boa, dinheiro e pudesse viver tranquilamente, o fantasma do passado olhava pra ele no espelho e mostrava que na verdade ele era um fracassado e um viciado em heroína. Nada disso porém fez com que ele superasse as drogas. Não é uma questão de dinheiro, é a cabeça que não suportou e não foi tratada. Por isso ele coloca no álbum que quem tem papel apenas não pode ajudá-lo pois apenas quem passou pelo que ele passou o entende. Difícil julgar. Sempre citamos um caso ou outro de alguém que passou por isso mas superou. Apontar dedos é fácil mas olhar para dentro de si e corrigir nossos erros ninguém faz.

12. Angry chair.

Descrição do que o vício faz. Faixa que mostra a alucinação após a injeção. O Staley se vê moldado em barro (referência à capa) e retrata que é depressivo. Não resiste à solidão e se entrega às drogas. Ele se mostra fraco e submisso (fique de joelhos, hora de rezar), a fome não o incomoda (meu estômago dói mas não me importo) e a tristeza é o que resta (campo de dor foi onde cresci). O coração dele está pesado (tristeza) e não é grande (bondade)... Perfeitas metáforas para explicar o desespero que sente.

13. Would?

Que faixa pra encerrar um álbum... De volta ao rock pesado depois de tantas faixas depressivas. Aqui é a reflexão final do álbum. Tenha contato com as drogas e elas não te abandonarão - as pessoas sim. Julgue. Cometi um erro mas tente ver o meu lado. E finalmente... Se eu caí, você cairia?

Resumo da obra: Escrever sobre um álbum que fala sobre drogas e um viciado não vai resultar em um texto bonito. O fato de trazer a minha favorita de Seattle também não diz nada sobre mim. Gosto da reflexão e de se imaginar no lugar do outro antes de fazer julgamentos. Atualmente vejo vários jovens que têm tudo pra dar errado: famílias sem estrutura, sem dinheiro, que desprezam seus filhos deixado-os livres para escolherem o que querem fazer (isso com 8, 9 anos de idade). Se não tiver alguém para olhar para elas, será que elas não cairão também? O que você está fazendo para que o mundo seja um lugar melhor?