Décima sétima postagem: A revolta dos dândis - Engenheiros do Hawaii.
Mais uma (re)visão sobre um álbum. Essa semana o texto veio atrasado, ironicamente, por estar em Porto Alegre. Já havia decidido que escreveria sobre Engenheiros em algum momento aqui mas não sabia qual álbum escolher. Então escolhi um aniversariante. 30 anos de idade para este álbum que apresenta pela primeira vez a (melhor?) formação do grupo com Gessinger, Licks e Maltz. Recordação direta na memória de ter visto essa formação aqui em Natal muito tempo atrás. Vamos ao álbum?
01. A revolta dos dândis 01.
Rimas durante toda uma faixa é algo complicado de se executar. Rimas com sentido durante toda uma faixa é muito difícil de conseguir. Rimas com sentido e brincando com paradoxos e/ou antíteses... Aí eu só conheço uma pessoa capaz de tal feito: Humberto Gessinger. Aqui temos uma pessoa deslocada, desenturmada e que não sabe como se enturmar. Na tentativa vemos grupos em barzinhos, sexo casual, diferenças ideológicas (fim do mundo e o fim do mês lembra muito Universidade onde grupos discutem filosofias enquanto outro apenas quer sobreviver) e até uso de drogas (loucura e lucidez nesse contexto de se enturmar pode levar a isso). Música para adolescente ou pra algum adulto que queria analisar quem são as pessoas que o cercam.
02. Terra de gigantes.
Agora seguimos o ritmo universitário (ao final colocarei uma opinião sobre esse clima de faculdade). A pessoa da faixa anterior encontrou um grupo. Pode ser descrição da própria banda... Faixa que mostra a visão dos pais sobre os mais jovens. Como os mais velhos acham que a meninada vai influenciada por sonhos ou ideologias que os mais velhos não mais acreditam e por isso, não os levam a sério. Ao mesmo tempo, a faixa mostra aquela sensação que os jovens antigamente tinham, que era a de mudar o mundo. Diferente de hoje onde a meninada acredita em nada e apenas sobrevive. Colocarei Cazuza aqui pra lembrar que "ideologia. Eu quero uma pra viver".
03. Infinita Highway.
Talvez a faixa mais famosa não apenas desse álbum mas da banda. Fugere Urbem é o que me lembra. Revisando Literatura... Fugir da cidade é uma possível tradução. Basta ouvir a faixa pra perceber como as regras da cidade não permitem a liberdade (na cidade estão os pais como falado na faixa anterior) e apenas saindo de lá a liberdade de pensamento será alcançada. Então vamos pela Highway (via expressa galerinha) e vamos ver onde chegamos.
04. Refrão de bolero.
Momento romântico. Já que usei um termo da Literatura acima, continuarei na Literatura para descrever esse romantismo. Fugirei do romantismo enquanto apenas a declaração de amor, a entrega de rosas ou algum presente. Ficarei no romantismo que faz sofrer. Esse é o romantismo mais usado em músicas ou poemas (fato?). Aqui temos um exemplo disso. Aqui o que temos é arrependimento. Temos um fim provocado por atos mas consumado em um diálogo que acredito ter sido assim: "vamos tentar de novo?" "nem pensar. Aqui não tem mais volta." e depois de todas as lágrimas e ao acordar de manhã, chega-se ao momento onde percebe-se que não deveria ter dito aquilo. Essa sensação de arrependimento fica ao longo da faixa. Gosto da reação de manter a palavra de que "nem pensar" e fala isso sempre mas na verdade, ao beber, todo o sentimento aflora e o personagem se perde. Faixa que deixa uma mensagem clara. Terminou? Tenha a certeza que terminou para os dois ou pelo menos pra você. Aproveitando, tem uma faixa da Legião Urbana chamada "Os Barcos" (Álbum O descobrimento do Brasil) que tem uma mensagem parecida.
05. Filme de guerra, canções de amor.
Mudança de tema. Faixa mais complicada do álbum. Resumiria da seguinte forma: a vida é fácil mas adoramos complicar. Coloco essa opinião aproveitando a fala da faixa quando comenta que os dias parecem séculos quando se anda em círculos e esse círculo simbolizando como os dias são rotineiros. Destacaria os paradoxos presentes na faixa (adoro paradoxos, antíteses e tudo que fuja do bonitinho) mas não vou escrever todos aqui senão ninguém compra o álbum ou ao menos ouve a música.
06. A revolta dos dândis II.
A vingança. Brincadeira. Continuação da faixa 01. Aqui o tempo venceu os sonhos. Embora ainda tenha alguns resquícios de revolta (3 porquinhos, 3 poderes foi uma ótima sacada) o texto revela que não há mais esse tempo todo pra sonhar (chegou a idade adulta?) e que os mais velhos venceram. Vou fazer uma outra comparação aqui. "Como nossos pais", cantada por Elis Regina mostra a mesma coisa. Depois de tantos gritos por mudança, acabamos como os velhos.
07. Além dos outdoors.
Aqui vem o reforço à ideia colocada na faixa 06. Apesar de todo esforço, tudo continua sendo a mesma coisa. Com outros nomes mas é a mesma coisa. Sempre modismos ou sempre as mesmas reclamações dos jovens e o conformismo dos mais velhos. Não sobrou muito para discutir aqui.
08. Vozes.
Já falei sobre empatia em algum texto e aqui temos essa reflexão novamente. Faixas que tratem desse tema serão mais do mesmo. Ninguém sabe o motivo que leva alguém a escolher um lado ou outro. Falta empatia e sobram julgamentos.
09. Quem tem pressa, não se interessa.
Vírgula faz diferença e quase cometo essa falha. Faixa filosófica. Parecendo teoria da conspiração (coisa de jovem) onde a imprensa apresenta uma parte da notícia e, de forma parcial (como se a imparcialidade fosse possível), mostra apenas o que interessa, deixando o iceberg escondido da população. Vamos contextualizar. Estamos em 87 e a democracia ainda engatinha (85 diretas já). Essa onda de desconfiança permeada pela guerra fria faz essa faixa ser algo natural e uma boa ideia pra usar em uma aula que apresente esse período.
10. Desde aquele dia.
Lembram de refrão de bolero? Ali imaginava-se uma faixa romântica mas ela aparece mesmo é aqui. De repente aparece uma menina e a vida divide-se entre antes dela e depois dela. Para demonstrar isso, o cara entende que deve lutar por ela (isso aparece em outra letra do Engenheiros "todo cara luta por uma menina e a palestina luta pra sobreviver"). Música romântica não precisa ser melosa.
11. Guardas da fronteira.
Última faixa e aqui temos a ideia novamente de que a mídia (TV) fala algo diferente do que o mundo real mostra. Vou pegar a citação à Sartre pois isso explica muita parte da letra. Sartre tem como pensamento de que o homem existe e depois se define, diferentemente das demais coisas no mundo. Dessa forma, esse existencialismo está presente em grande parte do álbum. Existencialismo... vamos lá, rapidinho. O homem vive mas em um mundo desorientado e sem sentido. Por isso a letra encerra com o dia a dia que esvazia a fantasia. Sartre agradece a faixa.
Resumo da obra: Falar sobre o álbum sem explicar o que é um dândi ou dandy é maldade. Dândi é uma pessoa preocupada com sua aparência física mas não apenas isso. Também utiliza linguagem rebuscada e tem hábitos "cultos" (vai se entender o que são hábitos cultos). Então o álbum é a revolta de uma burguesia que se perde no existencialismo e filosofa de tal forma que não consegue viver até atingir uma maturidade na fase adulta. Ótimo álbum e com uma pitada cultural pra compensar o atraso. Semana que vem, no dia correto.